Decisão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 2ª CÂMARA CRIMINAL Recurso: 0133604-65.2025.8.16.0000 HC Classe Processual: Habeas Corpus Criminal Assunto Principal: Crimes do Sistema Nacional de Armas Impetrante(s): KETLYN FERNANDA LUNKES Impetrado(s): Vistos etc. I – Trata-se de Habeas Corpus impetrado por Renato Rafael Griczynski em favor da paciente KETLYN FERNANDA LUNKES, objetivando o trancamento do inquérito policial nº 371282/2025, por manifesta atipicidade da conduta e ausência de justa causa. Para tanto, alegou que a) a paciente foi presa em flagrante em 07/11/2025, juntamente com seu companheiro, Sandro Sobotka, pela suposta prática do crime previsto no artigo 16 da Lei nº 10.826/2003; b) durante a abordagem policial, foi encontrada uma pistola com numeração suprimida e dez munições calibre 9mm na cintura de Sandro, porém com a paciente nada de ilícito foi encontrado, nem em sua posse, nem no veículo; c) a investigação contra a paciente baseia-se exclusivamente em uma suposta confissão informal relatada pelos policiais, de que ela teria admitido saber da existência da arma; d) não há elementos mínimos que vinculem a paciente ao crime de porte de arma, tornando a continuidade da investigação um ato de constrangimento ilegal; e) a conduta é atípica, pois o crime de porte ilegal de arma de fogo exige o dolo, ou seja, ciência e vontade de portar o artefato; f) a paciente era apenas a condutora do veículo, sem posse ou disponibilidade da arma, que estava em poder exclusivo de seu companheiro; g) a simples presença da paciente no veículo não é suficiente para caracterizar coautoria, sendo indispensável prova da ciência inequívoca e da disponibilidade da arma para ambos; h) o Tribunal de Justiça do Paraná e o Superior Tribunal de Justiça possuem precedentes que exigem demonstração do vínculo subjetivo entre os agentes para configuração de coautoria; i) a manutenção do inquérito policial representa grave constrangimento ilegal, pois expõe a paciente a abalos morais, sociais e psicológicos irreparáveis. Diante disso, pediu, liminarmente, a suspensão imediata do trâmite do inquérito policial nº 371282/2025, até julgamento do mérito do Habeas Corpus. Ao final, pediu a concessão definitiva da ordem, com o trancamento do Inquérito Policial nº 371282/2025 em relação à paciente KETLYN FERNANDA LUNKES, por manifesta atipicidade da conduta e ausência de justa causa. Relatei, em síntese. II – Inicialmente, destaca-se, por oportuno, que “o trancamento do processo por meio do habeas corpus - bem como do recurso ordinário em habeas corpus - é admissível em situação excepcional, quando emerge dos autos, de plano e sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia formal da denúncia” (AgRg no RHC n. 172.001/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 30/3/2023). Apura-se, de antemão, que a impetrante pretende o trancamento do inquérito policial nº 0003067-84.2025.8.16.0095, por aventada ausência de justa causa para a persecução penal e atipicidade da conduta Ocorre que tal pedido somente foi formulado nesta instância, por ocasião da impetração do presente writ, sem que tenha havido apreciação do juízo a quo. Da análise dos autos do inquérito policial, verifica-se que, durante abordagem realizada no contexto da Operação Sinergia IV, foi efetuada busca pessoal nos ocupantes do veículo Fiat Strada, placas ARI9E99, conduzido pela paciente, ocasião em que os policiais localizaram em posse do passageiro Sandro Sobotka uma pistola em sua cintura e dez munições calibre 9mm no bolso esquerdo de sua calça. O expediente foi instruído com boletim de ocorrência (mov. 1.5), auto de prisão em flagrante (mov. 1.4), ofícios comunicando as autoridades (mov. 1.1/1.3), termos de depoimentos das testemunhas/condutores (mov. 1.14/19), termos de interrogatório (mov. 1.20 /23), notas de culpa por videoconferência (mov. 1.09/10), auto de exibição e apreensão (mov. 1.6), fotografia (mov. 1.11), laudos cautelares de lesões corporais (mov. 1.12/13) e certidões de antecedentes (mov. 6.1 e 7.1) A defesa técnica pediu pelo relaxamento do flagrante da autuada Ketlyn Fernanda Lunkes (mov. 12.1) e subsidiariamente a concessão de liberdade provisória cumulada com cautelares. O juízo a quo, em 08/11/2025, ao analisar o pedido, reconheceu que, embora haja indícios de participação da autuada no delito, não existem elementos concretos que justifiquem a manutenção da prisão cautelar, homologando a prisão em flagrante, mas concedendo liberdade provisória à paciente, mediante imposição de medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, in verbis (mov. 17.1): “[...] 2. Da prisão em flagrante Quanto ao pedido da defesa de Ketlyn Fernanda Lunkes para o relaxamento da prisão em flagrante, que sustenta seu total desconhecimento acerca da existência da arma, a tese também não prospera para fins de relaxamento da prisão, embora deva ser considerada na análise da necessidade da custódia cautelar. Com efeito, os policiais militares registraram que Ketlyn, após hesitar, admitiu saber da existência da arma e da finalidade de vendê-la em Fernandes Pinheiro. O policial militar Renan Vinícius consignou que ela teria dito: "eu sabia da existência da arma, eu tava, a gente tava indo para Fernando Pinheiros para para vender". Tal declaração, prestada de forma espontânea no momento da abordagem, reveste-se de credibilidade, além da presunção de fé pública atribuída ao depoimento dos policiais militares. A conduta de conduzir o veículo tendo conhecimento do transporte de arma de fogo e munições de uso restrito configura participação consciente no delito, ainda que em menor grau de reprovabilidade. Assim, não se verifica a alegada ilegalidade da prisão que justifique seu relaxamento. Portanto, rejeito a tese defensiva de relaxamento da prisão e HOMOLOGO A PRISÃO EM FLAGRANTE de ambos os autuados, nos termos do artigo 310, caput, do Código de Processo Penal, por estar devidamente caracterizada a situação flagrancial, observadas as formalidades legais. 3. Da prisão preventiva ou da liberdade provisória Passo à análise da necessidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva ou da concessão de liberdade provisória. (...) Quanto à autuada Ketlyn Fernanda Lunkes, acompanho integralmente o parecer ministerial. Com efeito, embora existam indícios de sua participação no delito, conforme fundamentado anteriormente, não se verifica a presença de elementos concretos que justifiquem a manutenção de sua custódia cautelar. Ketlyn é primária, não possui antecedentes criminais, possui residência fixa e vínculos familiares na comarca. Além disso, encontra-se em estado gravídico, circunstância que merece especial atenção do Poder Judiciário, conforme estabelecido no artigo 318- A do Código de Processo Penal e na jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP. Embora a condição de gestante, por si só, justificasse a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, verifico que sequer há elementos que justifiquem a conversão do flagrante em preventiva, uma vez que não se vislumbra, no caso concreto, risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. A participação de Ketlyn no delito, ainda que sumariamente verossímil, mostra-se consideravelmente menos gravosa que a de Sandro, pois ela não portava a arma consigo. Não há, nos autos, elementos que indiquem habitualidade delitiva, periculosidade social ou risco de reiteração criminosa por parte da autuada. Nesse sentido, entendo suficiente a concessão das seguintes medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal: a) comparecimento mensal obrigatório em juízo para informar e justificar suas atividades; b) proibição de ausentar-se da Comarca de Irati sem prévia autorização judicial; c) recolhimento domiciliar no período noturno (das 20h às 6h) e nos finais de semana e feriados. (...) 4. Ante o exposto, com fundamento no artigo 321 do Código de Processo Penal, CONCEDO A LIBERDADE PROVISÓRIA aos autuados SANDRO SOBOTKA e KETLYN FERNANDA LUNKES, nos termos do artigo 310, III, do Código de Processo Penal, impondo-lhe as seguintes medidas cautelares: a) comparecimento mensal em Juízo até o dia 10 de cada mês, para informar e justificar as suas atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar à autoridade processante (art. 319, IV, do CPP); c) recolhimento domiciliar no período noturno (das 20h às 6h) e nos finais de semana e feriados (art. 319, V, do CPP). [...]”. Nesse contexto, verifica-se que, em nenhum momento foi suscitada a alegação de ausência de justa causa ou formulado pedido de trancamento do referido procedimento. Diante desse cenário, revela-se inafastável a conclusão de que este Tribunal não detém competência para análise do presente habeas corpus. Nesse sentido: AÇÃO DE HABEAS CORPUS – ROUBO CIRCUNSTANCIADO E EXTORSÃO – TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL – AUTORIDADE COATORA – DELEGADO DE POLÍCIA – JUÍZO DE ORIGEM COMPETENTE PARA O JULGAMENTO DO WRIT – ORDEM NÃO CONHECIDA. O parâmetro para a fixação da competência, em se tratando de habeas corpus, é o próprio ato que, em tese, causa constrangimento ilegal ao paciente. Na hipótese, sendo a autoridade apontada como coatora o Delegado de Polícia, o exame do mandamus é de competência do Juiz da Comarca, restando impossibilitada a análise do pleito pelo tribunal ad quem, sob pena de supressão de instância. Ordem não conhecida (TJPR - 5ª C.Criminal - 0033290-53.2021.8.16.0000 - Rel.: Des. JORGE WAGIH MASSAD - J. 01.07.2021). Assim, considerando que o pedido não foi submetido à apreciação do juízo a quo, autoridade apontada como coatora, mostra-se inviável sua análise por este Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância. De se esclarecer que a autoridade coatora, neste momento, é o Delegado de Polícia, que está sob a jurisdição do Juiz de Direito. III – Diante do exposto, não detendo o Tribunal competência para análise, indeferido liminarmente a inicial e julgo extinto o presente Habeas Corpus, sem resolução do mérito. IV –Int. Curitiba, data da assinatura digital. Mário Helton Jorge Relator
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